26/06/2025

Mercado de capitais se mobiliza para transformar créditos de carbono em ativos financeiros regulados

Por: Naiara Bertão
Fonte: Valor Econômico
O Brasil está a poucos passos de dar um salto estrutural para consolidar um
mercado robusto de créditos de carbono, com potencial de movimentar trilhões
de reais até 2050. A avaliação é de especialistas que participaram nesta quartafeira
(26) do painel promovido pela ANBIMA, associação brasileira do mercado
de capitais, com participação da B3, sobre os próximos passos para integrar o
mercado de carbono ao mercado de capitais.
Luiz Masagão, vice-presidente de Produtos e Clientes da B3, acredita que as
primeiras negociações relevantes nesse mercado comecem a ocorrer a partir de
2027, quando estiverem definidos os critérios técnicos e as metas setoriais de
redução de emissões. A bolsa está diretamente envolvida em discussões com
governo e autarquia para a construção dos detalhes da nova lei.
O Brasil aprovou no fim do ano passado a lei que instaura o mercado de
carbono regulado no país (Lei nº 15.042/2024) , com limites de emissões para
setores mais poluentes e que permitirá o comércio de permissões de emissões
e títulos que representam créditos de carbono do mercado regulado, os
chamados CRVE (Certificado de Remoção e/ou Redução Verificada de
Emissões).
Erika Lacreta, gerente de Mercado de Capitais da ANBIMA, e Luiz Masagão,
destacaram no painel que o avanço regulatório é peça-chave para transformar
os créditos de carbono em ativos financeiros plenamente reconhecidos como
valores mobiliários, como a lei prevê. “A criação do SBCE [Sistema Brasileiro
de Comércio de Emissões] representa um divisor de águas. É o passo necessário
para trazer negociação estruturada como vemos nos maiores mercados do
mundo”, afirmou Masagão.
Ele ressalta que o grande diferencial do mercado regulado será a
obrigatoriedade de empresas poluidoras compensarem suas emissões — sob
pena de multa —, o que impulsionará a valorização dos ativos e atrairá
compradores finais para as permissões . “Integridade é o que vai dar valor ao
ativo. Sem isso, não adianta regulamentar”, reforçou.
O desafio, agora, para Masagão, está na construção do chamado arcabouço
infralegal: resoluções, normas e orientações que vão detalhar como funcionará
o SBCE, quem poderá operar e como os créditos serão validados e registrados.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Ministério da Fazenda, o
Ministério do Meio Ambiente e a própria B3 estão atuando em conjunto na
definição dessa estrutura.
Entre os pontos centrais está a criação de uma taxonomia nacional, ou seja, um
conjunto de regras que padronize metodologias de certificação, emissão e
registro de créditos de carbono adaptadas à realidade brasileira. “O Brasil tem
especificidades, como o reflorestamento de eucalipto que aqui leva 7 anos,
enquanto na Noruega são 30. Precisamos de metodologias brasileiras que sejam
reconhecidas internacionalmente”, explicou Masagão.
A ideia é que os créditos regulados sejam fungíveis, ou seja, equivalentes entre
si, independentemente do emissor. Assim, uma permissão de emissão de
carbono de uma empresa A terá o mesmo valor que a de uma empresa B, o que
exige confiança na integridade do ativo.
O painel também abordou a integração entre o mercado regulado e o mercado
voluntário, no qual empresas adquirem créditos por iniciativa própria, muitas
vezes para alinhar-se a metas ESG. Uma inovação trazida pela nova legislação
é o CRVE (Crédito de Redução Voluntária de Emissões), que permitirá que
empresas utilizem créditos voluntários para cumprir metas reguladas, desde que
respeitem critérios definidos.
“Esse mecanismo traz a possibilidade de os ativos voluntários serem utilizados
no sistema de cap-and-trade. Mas para isso acontecer, é preciso garantir
integridade, auditoria e certificação. É um processo que gera custo, sim, mas
agrega valor ao ativo e evita o greenwashing”, afirmou Masagão.
Inspirada na estrutura de negociação dos CBIOs (créditos de descarbonização
do setor de combustíveis), a B3 já está desenvolvendo a infraestrutura para ser
a principal depositária do mercado brasileiro de carbono. “Temos uma estrutura
robusta de escrituração e negociação que pode ser adaptada. Os membros da
B3 já estão habituados com esse tipo de operação, inclusive no mercado
secundário”, explicou Masagão.
Apesar do otimismo, os especialistas reconhecem que ainda faltam peças
importantes para que o mercado comece a operar de fato. “A estimativa é que
as primeiras negociações relevantes ocorram a partir de 2027, à medida que
forem definidas as metas setoriais e os critérios técnicos”, afirmou Masagão.
Enquanto isso, o mercado voluntário deve continuar ganhando relevância, com
empresas e investidores internacionais cada vez mais atentos à integridade dos
projetos e à rastreabilidade dos créditos.